sábado, 4 de outubro de 2008

TRABALHANDO EM CASA-PRIMAVERA




Dei um tempo na correria de aulas e cursos. Nesta duas semanas ficarei em casa, dedicando-me ao meu trabalho próprio de produção cerâmica.Voltei ao torno depois de mais de um mês afastado. Preparei uma massa com chamote fino, talco e um anti-plástico de argila de cor vermelha intensa. A argila plástica é a mesma de sempre, das margens do Rio Iguaçu, 15 toneladas que comprei há poucos anos. Quero queimá-las na técnica RAKU. A massa ficou fina, gostosa de tornear. Estou produzindo vasos com biquinhos, nos quais procuro formas novas, mais aqueles que me inspiro no Hans Coopper, etc, etc. Nunca tenho um plano totalmente definido do que vou fazer. Quando ergo a peça é que realmente decido. Grande parte já sei como completar, mas, no meio do caminho é que realmente procuro uma forma de finalizar. Posso mudar de repente de idéia. A meta nunca é encarada como linha de produção. Sempre estou procurando aquela forma nunca feita. No torno não é fácil inovar. Tem aqueles formatos que a gente gosta, com as quais mais se identifica e que depois de vidradas completarão aquilo que queremos. Estou cada vez mais concentrando-me em vidrados mais rústicos. Mesmo nas queimas de raku. O craquelê está ficando cada vez mais intenso e agora estou trabalhando para aumentar ou diminuir o tamanho da rede de craquelê. São alguns conhecimentos que se vão adquirindo, mais os macetes práticos da queima. Uso até sal de cozinha, cloreto de sódio, para adicionar sódio, que aumenta o coeficiente de dilatão e favorece o craquelê. O borax, que é baratíssimo se comparado com a colemanita, adiciono para compor um vidrado transparente. É claro que o bórax, por ser solúvel, é chato de trabalhar e não dá para guardar as soluções que sobram, pois elas cristalizam, necessitando serem moídas para serem reusadas. Mão-de-obra! O bórax diminui o coeficiente de dilatação, funcionando ao contrário do Sódio, Potássio e Lítio.
Nas queimas de RAKU também tem o problema da forma. Formas mais fechadas, vasos com gargalos, bicos estreitos, resistem mais ao choque térmico do que pratos, ou formatos abertos.
Enquanto isso, estamos em plena primavera. Tenho muitas espécies de flores aqui na minha casa. A glicínia encheu de rendas as laterais da casa, agora restam poucas. As gabirobeiras deram floração intensa, prenunciando boa produção de gabirobas, com as quais faço geléia e mais uma deliciosa gabirobada cascão, o que é incomum. Sorte não ter geado tardiamente, o que diminui sobremaneira a produção de frutas. Tenho grande quantidade de dendróbios (orquídeas) espalhadas pelas árvores da chácara. Já cataloguei 16 espécies nativas de orquídeas aqui no meu espaço. Plantei, também, uma boa quantidade de frutíferas. O nosso clima aqui na latitude 25 graus e 1000 metros de altitude as espécies tropicais não vingam. Mas uva, pêssegos, caquis, maçãs, ameixas, nêsperas, kiwi, cítricos, amoras, peras, figos, etc, dão em abundância. Faço muitas geléias, com as amoras chilenas e uvas faço sucos. Desta última engarrafo uma boa quantidade para consumo durante o ano. A maior parte das amoras congelo no freezer para ter sempre fresquinhas, suco direto, misturado com água. Estou curtindo plantar physalis (Physalis angulata -uma solanácea com fruta amarela de 2 cm de diâmetro, aproximadamente), e rosella (p/ chá, suco com limão e geléia).
As aves também estão com a movimentação típica da primavera. Saíram daquele movimento calmo do inverno e os casais andam atarefados na construção de ninhos. No meu ateliê flagrei algumas baitacas comendo a tábua do beiral para cavar uma entrada = ninho. Andorinhas também buscam os beirais, mais os canarinhos da terra e as corruíras. Estas começam a cantar cedinho e é um prazer escutá-las. A manhã começa com os sabiás. Aqui tem o sabiá de peito vermelho, peito branco, coleira e o sabiá preto, chamado sabiá poca. Este último começa a cantar somente lá pelo mês de janeiro, aqui em casa, quando as outras espécies de sabiás já estão parando. Quando lembro da minha infância, sempre tem um sabiá laranjeira cantando. Dentro de um bote, descendo à camalote (como dizem os paraguaios=rio abaixo sem remar, ao sabor da corrente, Rio do Peixe, oeste de Santa Catarina). Ficava triste quando lá pelo mês de fevereiro diminuía o canto dos sabiás e aguardava a chegada da primavera para ouví-los novamente. Mas em fevereiro começavam os ariticus (araticus).Meu pai, expert em aves canoras, chamava a atenção para a variação dos cantos das diversas aves. O curió, azulão, canário da terra, pintassilgo, cardeal, coleirinha e, é claro, os sabiás. Destes o coleira era o seu preferido. Repetindo o grande ceramista, em sua carta pro Bernard Leach (citado em A Potter's Book), Shoji Hamada, "quando vejo as cerejeiras em flor, sinto que a cada ano a primavera vai entrando cada vez mais dentro de mim".